A Provincia

Agricultura

A introdução da agricultura comercial

Por volta de 1870, começaram a estabelecer-se em Quelimane várias companhias europeias, já não interessadas em escravos, nem em marfim, mas sim em oleaginosas – amendoim, gergelim e copra – muito procuradas nas indústrias recém-criadas de óleo alimentar, sabões e outras. No princípio, comercializando com os prazeiros, induziram-nos a forçarem os seus camponeses a cultivar estes produtos. Exemplos dessas companhias são a “Fabre & Filhos” e a “Régie Ainé”, ambas com sede em Marselha, a “Oost Afrikaansch Handelshuis”, holandesa, e a “Companhia Africana de Lisboa”. A “Oost” chegou a abrir em Sena uma sucursal para incentivar nessa região a produção de amendoim.

Mas a agricultura familar não produzia as quantidades desejadas, era necessário organizar plantações. É nessa altura que o governador da “província ultramarina”, Augusto de Castilho, cuja administração estava desejosa de ter uma base tributária para manter a ocupação do território, emite em 1886 uma “portaria provincial” regulando a cobrança do “mussoco” nos Prazos (que tinham sindo “extintos” pela terceira vez seis anos antes), que incluía a obrigatoriedade dos homens válidos pagarem aquele imposto, se não em produtos, então em trabalho; é dessa forma que começam a organizar-se as grandes plantações de coqueiros e, mais tarde, de sisal e cana sacarina.

Em 1890, o futuro “Comissário Régio” António Enes decreta, numa revisão do Código de Trabalho Rural de 1875 (que estabelecia apenas a obrigação “moral” dos colonos [leia-se camponeses indígenas] de produzirem bens para comercialização), que o camponês já não tem a opção de pagar o “mussoco” em géneros: “...O arrendatário [dos Prazos] fica obrigado a cobrar dos colonos em trabalho rural, pelo menos metade da capitação de 800 réis, pagando esse trabalho aos adultos na razão de 400 réis por semana e aos menores na de 200 réis.

Esse decreto impunha ainda aos prazeiros a ocupação efectiva das terras arrendadas e o pagamento à autoridade colonial da respectiva renda. Mas os prazeiros não tinham conseguido converter a sua actividade de simples fornecedores de escravos ou de pequenas quantidades de produtos na de organização das plantações, não só por falta de preparação (ou de vocação), mas também por falta de capital. O resultado foi terem sido obrigados a subarrendar ou vender os seus prazos, terminando assim a fase feudal desta porção de Moçambique.

As grandes companhias

A transição do regime feudal dos Prazos para o das Companhias foi feito no modelo capitalista da formação de empresas. Assim, por exemplo, o arrendatário Baltazar Farinha cria a firma “Farinha & Lopes”, que rapidamente é substituída por “Eigenman & Pereira” e esta por “Eigenman, Pereira & Stucky”, que dá finalmente lugar à “Companhia do Boror”. Este “Stucky”, ou Joseph Stucky de Quay, suíço, tinha um irmão Georges que, em 1899, comandou uma coluna de sipaios da Boror que submeteu o chefe Congone e, dessa maneira, asegurou o controlo do território que hoje corresponde aos distritos de Lugela, Mocuba e Namacurra. Era desta forma que as autoridades coloniais asseguravam a ocupação efectiva do território. Na década de 1920, Stucky foi agraciado pelo governo português com o título de conde.

Em 1921, todo o “distrito de Quelimane” estava dividido em 23 prazos que, entretanto, tinham passado, à excepção de três, à propriedade de grandes companhias que, no entanto, não eram companhias majestáticas, mas sim “arrendatárias” de prazos – que em muitos casos, tinham sido incluídos à força no seu território. Eram as seguintes as companhias e os prazos existentes (entre parênteses os anos de início do arrendamento ou da fundação das companhias):

  • Prazos “independentes” das companhias (próximos da vila de Quelimane):
    • Carungo, arrendado a Francisco Gavicho de Lacerda (1906);
    • Pepino e Quelimane Sul, em nome de Vitorino Romão da Nazareth (data desconhecida);
  • Companhia da Zambézia (1892):
    • Massingire (1897);
    • Andone (1987);
    • Anquaze (1897);
    • Timbué (1900);
  • Companhia do Boror (1898):
    • Boror (1898);
    • Macuse (1898);
    • Licungo (1898);
    • Nameduro (1899);
    • Tirre (sem data conhecida);
  • Société du Madal (1904):
    • Madal (1903, pelos anteriores proprietários Gonzaga, Bovay e Ca);
    • Tangalane (idem);
    • Cheringone (idem);
    • Maindo (1904);
    • Inhassunge (1916);
  • Empresa Agrícola do Lugela (1906):
    • Lugela (1906);
    • Milange (1906);
    • Lomué (1910);
  • Sena Sugar Estates (1920):
    • Maganja d’Aquém Chire (1894, pela predecessora Companhia do Açúcar de Moçambique);
    • Luabo (1911, pela antecessora Sena Sugar Factory) e
    • Marral (idem).

Entretanto, do ponto de vista da administração colonial, o “distrito” estava dividido apenas em quatro circunscrições (criadas nas datas indicadas entre parênteses), que apenas cobriam a parte costeira do norte da Zambézia:

  • Alto Molocué (1918),
  • Ile (1918),
  • Maganja da Costa (1908) e
  • Moebaze (1919, que passou a chamar-se Pebane em 1926; Ossiua tinha sido criada em 1919, mas foi suprimida em 1923, com a sua área dividida entre Alto Molocué e Pebane).

Em 1913, dos cerca de nove milhões de hectares da Zambézia, 5,4 milhões eram administrados pelos arrendatários, sendo os remanescentes 3,6 milhões a “reserva” do Estado. No entanto, a área total ocupada pelas plantações correspondia apenas a 0,5% da área arrendada (em 1924, este número sobe para 0,7%). Isto pode ser explicado por estas culturas (coqueiro, sisal, algodão e cana-sacarina) exigirem muita mão-de-obra e as companhias não estarem interessadas em investir em maquinaria, uma vez que a população era excedentária e os salários exíguos. Além disso, as plantações reservavam sempre uma área para culturas alimentares, para evitar custos adicionais em alimentação dos trabalhadores. Esta política assegurava um lucro considerável.

As plantações, no entanto, não eram a única fonte de rendimento das Companhias, pois algumas dedicavam-se igualmente à exportação de mão-de-obra para o estrangeiro (mesmo contrariando a legislação em vigor). Por exemplo, a Empresa Agrícola de Lugela tinha como um dos sócios Francisco Monteiro, que era igualmente proprietário de uma das maiores roças de cacau de São Tomé e, de acordo com fontes da época, calcula-se que, entre 1910 e 1915, tenham sido enviados como “contratados” para São Tomé cerca de 30 mil moçambicanos, não só da Zambézia, mas também de outras áreas de Moçambique, onde o recrutamento de mão-de-obra já estava organizado. Outros dez mil terão sido enviados para as plantações e minas do Transvaal (África do Sul). Ao mesmo tempo, para cumprir os seus acordos com a República Sul-Africana, a própria administração colonial tinha o seu papel no fornecimento de trabalhadores: está registado que, de 1904 a 1907, saíram pelos portos de Quelimane e Chinde 8141 homens oriundos das “reservas” do Estado e do Prazo Lugela.

Esta forma de exploração exacerbou o êxodo de zambezianos, que já tinha começado no tempo da escravatura e do “mussoco” prazeiro, uma vez que havia oportunidades de trabalho e condições de vida mais amenas nos territórios vizinhos das Rodésias e Niassalândia, para além do Transvaal. Pesam também nesta diáspora, as frequentes secas e cheias, com a consequente escassez de comida, e a falta de cuidados de saúde, mesmo na fase das Companhias. Em 1906, a emigração de Quelimane e Tete foi de 22.454 pessoas, das quais 1954 foram para o Transvaal, 500 para a construção do caminho-de-ferro da Suazilândia e 20 mil para locais indeterminados; por outro lado, no mesmo ano, segundo registos oficiais, teriam morrido de fome só na Zambézia cerca de 30 mil pessoas. Na década de 1910, Carl Wiese, que arrendara terras da Companhia da Zambézia, reportou terem desaparecido 50 mil pessoas dos Prazos de Massingire, Milange e de Tete.